terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Me desculpe.. me desculpe..

Já se fazia visível o céu estrelado e uma fraca luz, porém com toda sutileza, vinha dela, toda meiga, a lua. Uma visão que merecia uma foto, mas na ausência de uma máquina, foi apenas registrada em minha mente. Mantinha meus oitenta quilômetros por hora, não tinha pressa de chegar, apenas curtia o momento, a noite. Abaixei manualmente o vidro do carro, de forma lenta, fiz com que o vento invadisse o carro, percorrendo cada centímetro do mesmo, jogando meus cabelos para lá e para cá, batendo em meu rosto e dando uma leve sensação de frescor. Percebi em meus olhos lágrimas, mas não de emoção, mas sim de uma certa irritação. Desde jovem aqueles óculos eram meus féis companheiros. Um desvio na córnea de meu olho esquerdo me tirará 20% da visão, que eram compensadas pelo simples usar daquele objeto. Apalpei o painel e fui descendo em direção ao porta-luvas, aonde eles se encontravam. Sem tirar os olhos da pista, que gentilmente me fornecia os conhecidos “olhos de gato”, peguei-os e tirando-os da caixinha - que logo voltara ao seu lugar inicial - coloquei-os e ajeitando-me novamente no banco, continuei a viagem. Logo adiante, uma placa, dessas verdes, com letras brancas, muitas vezes apagadas, forçando-nos a ler o ilegível, avisava-me que dentro de 1km teria de doar forçadamente meu humilde dinheiro, ganhado com suor (hum... okay, nem tanto), para os famosos pedágios, com objetivo de serem aplicados nas grandes rodovias e uma parte dirigindo-se ao bolso de sabe-se lá quem. Diminui a velocidade e puxando a carteira do bolso direito da calça, parei meu carro ao lado dessas cabines. Cumprimentos de boa noite, entrega do dinheiro, recebimento do troco e após desejo de uma ‘ótima viagem’, seguindo os procedimentos do carro, de marcha em marcha, novamente voltava à situação de antes: oitentinha, vento no cabelo, de volta a estrada, assoviando e cantando de forma embromada a música Born To Be Wild. Por sorte, no momento de pegar os óculos no porta-luvas, avistei aquele maço de cigarros, que provavelmente se encontrava vazio, há não ser pela última bituca, perdida na caixinha, que logo foi acesa e direcionada à minha boca. O sugar daquela bituca e todas as substâncias que nela continham, entravam em minha boca e vagavam pelo obscuro lado interno do corpo humano, viajando por todos os lugares, passando pelo pulmão, faringe, laringe, entre outros e logo em seguida, parte dela saindo novamente pelo local de entrada, formando no ar imagens que eram criadas pela minha própria imaginação. Uma sensação de alívio e prazer, tomavam-me, mas não por completo. O cigarro, a viagem, a distração, o céu estrelado, o alívio do xixi feito na última parada, nada disso aliviava de forma completa a minha angústia, minha tristeza interna. Quem sabe a viagem tenha sido uma forma de fuga, de querer ‘sumir’, se afastar, pensar que conseguiria uma fuga dos problemas também, jogando-os de lado, sem resolvê-los. Doce ilusão. Os olhos na pista ainda se mantinham constantes e focados, mas o pensamento estava longe e a distração começou a tomar conta de minha mente. Não saia de minha cabeça o último encontro. Palavras pronunciadas que jamais serão esquecidas. Raiva, mentiras. Um olhar triste, no meio de lágrimas – agora sim de tristeza - fez com que eu colocasse um cd no som. Não um cd qualquer, mas aquele gravado por ela, com as nossas músicas. Cada nota, cada melodia entoada, ecoava pelo carro, fazendo-se audível apenas para mim, para mais ninguém, naquela estrada no meio da madrugada. Mudava de pistas freneticamente, apertava o botão do ar condicionado e fechava as janelas. Mas no minuto seguinte, abria as janelas e desligava o botão do ar condicionado. Um desespero tomava-me de uma maneira sufocante. Pela primeira vez acho que me vi batendo de frente com o problema. Arrependimento. Vontade de voltar atrás e consertar o erro. Impossível. Olhei para o banco do passageiro e apenas enxerguei as embalagens dos chocolates que já se localizavam em meu estômago. Inutilmente ainda apalpei-os procurando um último pedaço, ou quem sabe um último gole – inexistente - daquela saborosa latinha de coca. Senti-me sozinho. Busquei com as mãos minha mochila no banco de trás do carro e abrindo seu zíper, encontrei meu celular. Número discado, desvio de chamada e começaram os toques. Em uma fração de segundos, numa pequena distração de minha parte, deixei o celular escorregar de minha mão - já que a mesma se encontrava melada por ter tocado os chocolates. Sem olhar para frente, abaixei e o recolhi. Endireitando o corpo, subindo de forma cuidadosa, para não bater a cabeça na direção, arregalei os olhos e num reflexo inconsciente, virei a direção com toda força para a minha esquerda, fazendo com que meu farol direito do pisca se quebrasse ao se encontrar suavemente na lataria da traseira de uma moto, essas de viagem com um cara barbudo, todo tatuado, olhando com cara feia, já diminuindo a velocidade para encostar-se ao acostamento. O susto foi inevitável. Perdi a direção. O carro deslizou pelo canteiro esquerdo da pista, que era todo de grama, o que fez com que ele derrapasse e desse uma volta de 90 graus, sendo colocado na pista de direção oposta de lado. Dois faróis eu vi crescer e em poucos segundos um barulho, ensurdecedor ganhar espaço no local. Gritos. Lataria amassada. Cheiro de gasolina e diesel tomavam conta das minhas narinas. Suor, pânico. O desastre acontecera. Dentro do carro apenas pronunciava de forma dolorida e angustiante: “Me desculpe... me desculpe...”.


Thiago "Tôca" Santos

Nenhum comentário: