Em uma terça feira qualquer, dia relativamente frio, chuvoso, que nos tira qualquer vontade de fazer algo, querendo apenas o bom conforto do lar, depois de um dia de trabalho, ou qual for a atividade, já caminhando para o seu final, quase na hora de se esticar na cama e dormir, toca-se o telefone na casa de Saulo.
- Alô?
- Alô? Saulo?
- Quem fala?
- É o henrique. Como você está?
- Fala amigão! Tudo bem e você?
- Eu gostaria de saber se posso passar por aí daqui a pouco, algum problema? Gostaria de conversar sobre algo..
- Magina! Lógico que pode. Te espero. Abraço.
- Abraço.
- Abraço.
Saulo, que tinha o costume de domir tarde, não viu problema algum em receber o amigo tal hora da noite, mas ficou encucado. A voz de seu amigo parecia desanimada com um misto de assustada, mas logo pensou que era bobagem da sua cabeça, e preparou um suco e alguns salgadinhos para oferecer-lhes ao amigo que logo mais chegaria.
Passada meia hora, eis que se ouve a batida de uma porta, o ativar de um alarme e o som de uma campainha.
- Desculpe por esta visita tão tarde da noite, apenas gostaria de conversar um pouco com você sobre algo.. - Já chegava Henrique, sem graça, logo se desculpando pelo encômodo.
- Sem problemas Rick. Aceita um copo d´água? - Perguntou-lhe Saulo, que não se incomodou nem um pouco, e ainda se animou por ter a companhia de alguém, já que sua mulher e filhos tinham ido à uma festa do aniversário de um coleguinha da classe de um de seus filhos.
- Obrigado, acho que aceito um copo de coca-cola. E como vão as coisas? - Henrique faz a pergunta habitual de um começo de conversa.
- Ah, você sabe como é. Uns dias melhores, outros nem tanto. Promoções no serviço que ficaram apenas na esperança, e um salário que mal da para pagar as contas. Nos matamos, lutamos pela empresa, e a mesma assim que pode, se livra de você, e contrata alguém mais jovem, mais experiente. Lamentável.. - Bufava e lamentava Saulo, se servindo de mais um salgado que estava exposto a mesa.
- E sua família? Como estão os filh..? - Continuava Henrique, que não parava de se ajeitar no sofá, parecendo querer falar algo mais, porém se contendo e ouvindo atentamente seu amigo falar.
- Tirando os desentendimentos com a "patroa", tudo okay. Filhos cada vez maiores, porém, por incrível que pareça, cada vez mais irresponsáveis. Precisamos ficar espertos, senão eles nos passam o pé, não é verdade? - E os dois deram uma risada forçada.- Ô se é. Mas me dig..
- Te contei da minha última viagem? Não? Foi no feriado, e...
A conversa se desenrolava, mas notava-se em Henrique uma intranquilidade, um certo desconforto. Já seu amigo Saulo, não parava de falar e se servir de salgadinhos, os quais já começavam a ficar grudados em seu bigode. O mesmo já tinha fama de falar bastante, e se deixassem, ele não parava.
Assim a conversa foi se desenrolando, e já se passavam mais de 1 horas e meia que Henrique havia chegado na casa do amigo
- Nossa, não acreditei quando me contaram isso Rick, mas é a pura verdade, incrível não? - Contava Saulo com entusiasmo uma lenda que tinha ouvido em seu trabalho.
- Hilário e surpreendente.. mas.. - Parecia aqui que Henrique finalmente iria falar, mas novamente voltou a calar-se e em vez disso, serviu-se novamente de mais um gole daquela deliciosa coca-cola.
- Pãtz! Como me esqueci de te contar isso? Escuta essa, lá pelo mês de setembro.. - Interrompeu-o novamente Saulo, para lhe contar mais de uma de suas histórias "incríveis". (Além de falador, Saulo era conhecido como o aumentador de histórias também).
A escuridão da noite parecia dar lugar à uma luz bem fraca no horizonte, o que fez Henrique olhar par ao relógio e recolher sua blusa que havia sido jogado numa cadeira assim que entrou na casa.
- Está ficando tarde Saulo, ou melhor, cedo, não é mesmo? - E deu uma risada sem graça.. - acho que vou-me indo.
- Obrigado pela visita Rick, apareça mais vezes.. - Saulo dando um bocejo, e levantando-se para abrir a porta à seu amigo.
Então, dirigindo-se ao carro, já com a chave em mãos, Henrique ouve Saulo lhe perguntar:
- Epa! Lembro-me agora que tu vieste à minha casa, para perguntar-me algo, ou conversar sobre algo, não? E acabou que só eu falei, e te ocupei a noite inteira com minhas intermináveis histórias..
- Sem problemas.. - Respondeu-lhe Henrique cabisbaixo.
- Não, mas me diga, o que era? - Insistiu Saulo.
Henrique então, virando-se para o amigo, com um olhar profundamente triste, vermelho e cheio de lágrima, puxando fôlego, meio que gaguejando diz em uma voz fraca..
- Fui ao médico hoje, e descobri que tenho leucemia. O doutor me disse que meu caso já é avançado, e meu estado é crítico. Logo mais começarão a cair cabelos, e todos os estágios que você deve saber, então estarei me internando em um hospital no final de semana. Ele me disse que não deve me restar mais do que 3, no máximo 4 meses de vida.. por isso vim à sua casa hoje. Recebi a noticia um pouco antes do meu telefonema.. Era isso! Cuide-se Saulo, lembranças na família..
Então, entrando em seu carro, Henrique abanando para o amigo, dirigiu-se de volta ao caminho de casa, seguindo pelas ruas ainda escuras da madrugada. Com um certo incômodo por não ter falado, ou menos interrompido os assuntos do amigo e desabafado com ele sobre sua doença, Henrique enxugando os olhos, liga o rádio, e deixa uma música baixa, como trilha sonora de seus pensamentos, que não o davam folga havia algum tempo.. "Nobody said it was easy.."
Thiago "Tôca" Santos
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